quinta-feira, 6 de setembro de 2012


Eu e o sertão



Sertão, arguém te cantô,
Eu sempre tenho cantado
E ainda cantando tô,
Pruquê, meu torrão amado,
Munto te prezo, te quero
E vejo qui os teus mistero
Ninguém sabe decifrá.
A tua beleza é tanta,
Qui o poeta canta, canta,
E inda fica o qui cantá.

No rompê de tua orora,
Meu sertão do Ciará,
Quando escuto as voz sonora
Do sadoso sabiá,
Do canaro e do campina,
Sinta das graça divina
O seu imenso pudê,
E com munta razão vejo,
Que a gente sê sertanejo
É um dos maió prazê.

Sertão, minha terra amada,
De bom e sadio crima,
Que me deu de mão bejada
Um mundo cheio de rima.
O teu só é tão ardente,
Que treme a vista da gente
Nas parede de reboco,
Mas tem milagre e virtude,
Que dá corage, saúde
E alegria aos teus caboco.

Acho mesmo que ninguém
Sabe direito cantá
Tanta beleza que tem
Tuas noite de luá,
Quando a lua sertaneja,
Toda amorosa despeja
Um grande banho de prata
Pro riba da terra intêra
E a brisa assopra manêra,
Fazendo cosca na mata.

Sertão do Bumba Meu Boi
E da armonca de oito baxo,
O teu fio sempre foi
Corajoso, Cabra Macho;
O tempo nunca destrói
A fama do teu herói
De pernêra e de gibão,
Caboco que não resinga
Corrê dentro da catinga,
Na pega do barbatão.

Tu é belo e é importante,
Tudo teu é naturá
Ingualmente o diamante,
Ante de arguém lapidá.
Deste jeito é que te quero,
Munto te estimo e venero,
Vivendo assim afastado
Da vaidade, do orguio,
Guerra, questão e baruio
Do mundo civilizado.

Tu veve munto esquecido
Dos meio da inducação,
Sempre, sempre tem vivido,
Sem escola e sem lição.
Teu mundo é bem pequenino,
Por isso do teu destino,
Da tua simplicidade
Nasce a fé e a esperança;
Tua santa inguinorança
Incerra munta verdade.

Rescordo com grande amô
O meu tempo de rapaz,
Tempo qui os ano levô
E os desengano não traz,
Quando toda noite eu ia
Cheio de doce alegria,
Sem infado do trabaio,
Uvi, de peito contrito,
As oração e os bendito
Das festa do mês de maio.

Uma singela bandêra
Bem no terrêro se via,
Homenagem verdadeira
Do santo mês de Maria,
Na sala inriba da mesa,
Uma quatro vela acesa
E de juêio no chão,
Uma muié paciente
Lendo vagarosamente
Com a cartia na mão.

Inquanto lendo seguia
Aquela boa sinhora,
De quando in vez repetia
Bonita jaculatória;
Todo povo acumpanhava
E quando a mesma rezava
Padre Nosso e Ave Maria,
De contrição todas cheia
Com suas voz de Sereia,
As caboca respondia.

– Neste mês de alegria,
Tão lindro mês de frô,
Queremo de Maria
Celebrá o seu louvo. -

Sertão amigo, eu tô vendo
Que os teus novo camponês,
Hoje ainda tão fazendo
Aquilo que os véio fez.

Que doce felicidade
Eu gozei na mocidade,
Nesta santa ingorfação!
Quando se acabava Maio,
Já começava os insaio
Do santo mês de S. João.

Como o ricaço usuraro
Guarda uma moeda de ôro
Fiz do meu peito sacraro
E guardei estes tesôro.
E aqui, dentro do meu peito,
Inda tá tudo perfeito,
Não mudaro de feição
As duas fotografia,
Do santo mês de Maria
E das festa de S. João.

Como é bom a vida intêra
Passá contente e feliz
Sem sabe das bagacêra
De país contra país!
Caro sertão inocente,
Não fugiu de minha mente
E nem vai fugí tão cedo
As diversão de advinha,
Manêro pau, Cirandinha
E muitos ôtro brinquedo.

Hoje sou véio e tô vendo
Que já tô perto da morte,
Mas porém, morro dizendo
Qui fui caboco de sorte,
Não dou cavaco in morrê,
Somente por conhecê
Qui há tempo tá reservado
In tu, querido sertão,
O meu quadrinho de chão
Pra nele eu sê sipurtado.

E mesmo depois de morto,
Mesmo depois de morrê,
Ainda gozo conforto,
Ainda gozo prazê,
Pois, se é verdade que as arma,
Mesmo as que vivero carma
E acançaro a sarvação,
Fica vagando no espaço,
Os meus caracó eu faço
Pro riba do meu sertão.

Patativa do Assaré