Eu e o sertão
Sertão, arguém
te cantô,
Eu sempre tenho
cantado
E ainda
cantando tô,
Pruquê, meu
torrão amado,
Munto te prezo,
te quero
E vejo qui os
teus mistero
Ninguém sabe
decifrá.
A tua beleza é
tanta,
Qui o poeta
canta, canta,
E inda fica o
qui cantá.
No rompê de tua
orora,
Meu sertão do
Ciará,
Quando escuto
as voz sonora
Do sadoso
sabiá,
Do canaro e do
campina,
Sinta das graça
divina
O seu imenso
pudê,
E com munta
razão vejo,
Que a gente sê
sertanejo
É um dos maió
prazê.
Sertão, minha
terra amada,
De bom e sadio
crima,
Que me deu de
mão bejada
Um mundo cheio
de rima.
O teu só é tão
ardente,
Que treme a
vista da gente
Nas parede de
reboco,
Mas tem milagre
e virtude,
Que dá corage,
saúde
E alegria aos
teus caboco.
Acho mesmo que
ninguém
Sabe direito
cantá
Tanta beleza
que tem
Tuas noite de
luá,
Quando a lua
sertaneja,
Toda amorosa
despeja
Um grande banho
de prata
Pro riba da
terra intêra
E a brisa
assopra manêra,
Fazendo cosca
na mata.
Sertão do Bumba
Meu Boi
E da armonca de
oito baxo,
O teu fio
sempre foi
Corajoso, Cabra
Macho;
O tempo nunca
destrói
A fama do teu
herói
De pernêra e de
gibão,
Caboco que não
resinga
Corrê dentro da
catinga,
Na pega do
barbatão.
Tu é belo e é
importante,
Tudo teu é
naturá
Ingualmente o
diamante,
Ante de arguém
lapidá.
Deste jeito é
que te quero,
Munto te estimo
e venero,
Vivendo assim
afastado
Da vaidade, do
orguio,
Guerra, questão
e baruio
Do mundo
civilizado.
Tu veve munto
esquecido
Dos meio da
inducação,
Sempre, sempre tem
vivido,
Sem escola e
sem lição.
Teu mundo é bem
pequenino,
Por isso do teu
destino,
Da tua
simplicidade
Nasce a fé e a
esperança;
Tua santa
inguinorança
Incerra munta
verdade.
Rescordo com
grande amô
O meu tempo de
rapaz,
Tempo qui os
ano levô
E os desengano
não traz,
Quando toda
noite eu ia
Cheio de doce
alegria,
Sem infado do
trabaio,
Uvi, de peito
contrito,
As oração e os
bendito
Das festa do
mês de maio.
Uma singela
bandêra
Bem no terrêro
se via,
Homenagem
verdadeira
Do santo mês de
Maria,
Na sala inriba
da mesa,
Uma quatro vela
acesa
E de juêio no
chão,
Uma muié
paciente
Lendo
vagarosamente
Com a cartia na
mão.
Inquanto lendo
seguia
Aquela boa
sinhora,
De quando in
vez repetia
Bonita
jaculatória;
Todo povo
acumpanhava
E quando a
mesma rezava
Padre Nosso e
Ave Maria,
De contrição
todas cheia
Com suas voz de
Sereia,
As caboca
respondia.
– Neste mês de
alegria,
Tão lindro mês
de frô,
Queremo de
Maria
Celebrá o seu
louvo. -
Sertão amigo,
eu tô vendo
Que os teus
novo camponês,
Hoje ainda tão
fazendo
Aquilo que os
véio fez.
Que doce
felicidade
Eu gozei na
mocidade,
Nesta santa
ingorfação!
Quando se
acabava Maio,
Já começava os
insaio
Do santo mês de
S. João.
Como o ricaço
usuraro
Guarda uma
moeda de ôro
Fiz do meu
peito sacraro
E guardei estes
tesôro.
E aqui, dentro
do meu peito,
Inda tá tudo
perfeito,
Não mudaro de
feição
As duas
fotografia,
Do santo mês de
Maria
E das festa de
S. João.
Como é bom a
vida intêra
Passá contente
e feliz
Sem sabe das
bagacêra
De país contra
país!
Caro sertão
inocente,
Não fugiu de
minha mente
E nem vai fugí
tão cedo
As diversão de
advinha,
Manêro pau,
Cirandinha
E muitos ôtro
brinquedo.
Hoje sou véio e
tô vendo
Que já tô perto
da morte,
Mas porém,
morro dizendo
Qui fui caboco
de sorte,
Não dou cavaco
in morrê,
Somente por
conhecê
Qui há tempo tá
reservado
In tu, querido
sertão,
O meu quadrinho
de chão
Pra nele eu sê
sipurtado.
E mesmo depois
de morto,
Mesmo depois de
morrê,
Ainda gozo
conforto,
Ainda gozo
prazê,
Pois, se é
verdade que as arma,
Mesmo as que
vivero carma
E acançaro a
sarvação,
Fica vagando no
espaço,
Os meus caracó
eu faço
Pro riba do meu sertão.
Patativa do Assaré